Lendo a Nona Sinfonia!

 


No começo do quarto movimento a orquestra se dispersa-se numa chiadeira imponente... Os violoncelos – instrumentos muito próximos ao timbre da voz humana - manifestam seu descontentamento. Diante de tal protesto, a orquestra faz ouvir os primeiros compassos do primeiro movimento. Os violoncelos, uma vez mais, manifestam seu desacordo. O mesmo acontece quando a orquestra. quando a orquestra evoca o começo do segundo e terceiro movimentos. Então a orquestra sugere o tema da alegria. Aí, sim, os violoncelos mostram sua aprovação. E são eles mesmo quem, em uníssono e pianíssimo, tocam o tema completo. O resto da orquestra mantêm-se em escuta. Ao terminar o tema, várias famílias de instrumentos entram em cena com os violoncelos –que repetem o tema – e tecem um contraponto belíssimo, que nos faz pensar na beleza da vinculação interpessoal. Quando conclui o tema agregam-se novos instrumentos para indicar que se incrementa a unidade entre os homens e, ao final, a orquestra completa interpreta o tema de forma homofônica e grandiosa. Seguem-se uns momentos de euforia na orquestra. Quem ouve, tem a impressão de que a alegria que produz esta primeira experiência de unidade faz-se transbordante e a orquestra parece explodir de alegria. Mas a humanidade costuma retomar suas trilhas, e a orquestra manifesta isto repetindo a chiadeira do começo. Diante desta recaída na divergência, Beethoven quer deixar bem claro a mensagem que havia deixado pressentir e apresenta-se pela primeira vez na sinfonia a voz humana. Um barítono exclama com voz potente: “Oh freunde, nicht diese Töne, sondern lasst uns angenehmere, und freundvollere” (Oh amigos, estes tons não: deixem-nos ouvir outros mais agradáveis e alegres. Estes dois versos foram escritos pelo próprio Beethoven como prelúdio à Ode à Alegria de Schiller, que é cantada a seguir e culmina numa passagem sublime que termina com estas palavras (Irmãos, por cima das nuvens tem que habitar um pai amoroso).

A segunda tarefa cumpriu-se com a realização da Missa Solene. Já em plena maturidade, quando viu-se reduzido a um estado de ruína humana – completamente surdo, o que é uma tragédia para um musico de grande talento: quase cego, fracassado economicamente e muito debilitado em sua saúde – Beethoven, mesmo tendo um caráter muito forte, não se rebelou contra a Providência: retirou-se em uma aldeia na fronteira austro-húngara para compor “um hino de louvor e agradecimento ao Supremo Criador”, conforme suas palavras. O fruto deste retiro foi uma das maiores obras da arte universal, a Grande Missa em Ré maior.

Beethoven nunca viveu a arte como diversão, ou como meio para ganhar prestígio ou bens materiais. Sua atividade artística foi em todos momentos o vínculo vivo da sua pessoa para com os outros seres humanos e com o Ser Supremo, “Ah, parecia-me impossível deixar o mundo antes de produzir tudo aquilo para o que me sentia dotado – escreve no testamento.