Interpretar Não É Compreender

 


Compreender e interpretar são dois conceitos que se aproximam em alguns aspectos e se distanciam em outros. Enquanto alguns autores destacam a semelhança entre os dois, a ponto de muitas vezes confundir um com o outro, sem perceber a diferença. No entanto, a distinção é necessária para uma leitura produtiva.

A compreensão, não é uma ação consciente executada pelo leitor sobre um determinado objeto de leitura; é uma experiência que se vive abaixo da superfície da consciência, pela sua complexidade e pela rapidez com que acontece. A compreensão não só se desdobra em vários níveis, do processamento do código ao conhecimento de mundo, mas precisa também processar todos esses níveis de modo instantâneo. A consciência humana, dentro dos limites impostos pela atenção, não tem condições de apreender todos esses elementos no momento em que eles acontecem. Daí a natureza necessariamente inconsciente da compreensão.

Ou seja, compreender é relacionar. Essas relações precisam ser estabelecidas em várias direções, locais e globais, dentro e fora do objeto de leitura, dentro e fora do leitor. Vê-se um texto, uma imagem, uma música, um vídeo e qualquer outro objeto de leitura, como um quebra-cabeça que precisa ser montado em suas partes para se chegar à compreensão em sua totalidade.

Interpretar, por outro lado, é explicar ou desvelar para o leitor de que modo cada quebra-cabeça pode ser montado. Há várias maneiras de se produzir esse desvelamento, dentre os quais destacamos três: a interpretação como paráfrase, como réplica e como procedimento dialético.

Paráfrase é o procedimento mais direto e objetivo: o trabalho do intérprete é produzir outra versão do mesmo objeto de leitura, com a finalidade de explicar ao leitor/aprendiz de que modo esse objeto deve ser compreendido. O perigo maior da interpretação como paráfrase é a possibilidade de mutilar e desfigurar o objeto de leitura. Já a interpretação como réplica tem a seu favor a possibilidade de interlocução entre autores e leitores por meio de comunidades de interesse. Finalmente, a interpretação como procedimento dialético é a que parece oferecer maior possibilidade de retorno no desenvolvimento da compreensão do objeto de leitura, na medida em que permite uma penetração nesse objeto, que é desmontado e recomposto em cada um de seus elementos, mostrando de que modo ele se constrói.

Outra maneira interessante, pode ser exemplificada no “Game de leitura – Falei com Da Vinci”, onde a compreensão e a interpretação são trabalhadas como um procedimento pedagógico de indução ao conhecimento, feito por meio de perguntas, tanto abertas como fechadas, a que estamos dando aqui o nome de interpretação como procedimento dialético. Enquanto que na interpretação como réplica, a interlocução se dá com o autor, na interpretação como procedimento dialético, à semelhança da maiêutica socrática, as perguntas e enigmas do ‘Game’ são dirigidas ao aluno-leitor, que tentará buscar as respostas dentro de si, tentando resolver paulatinamente as contradições que possam surgir no sequenciamento de compreensão, porque na literatura, o como se diz, é tão ou mais importante, do que aquilo que se diz.

Compreensão de textos: é a decodificação da mensagem, ou seja, análise do que está no explícito no texto.

Interpretação de textos: é a interpretação que fazemos do conteúdo, ou seja, quais conclusões chegamos por meio da conexão de ideias e, por isso, vai além do texto.

Texto Baseado em: Um estudo preliminar sobre a interpretação de texto
Vilson J. Leffa - Universidade Católica de Pelotas