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Cinco Dimensões da Leitura

 


De acordo com Gilles Thérien a atividade de leitura contém, cinco dimensões: neurofisiológica, cognitiva, afetiva, argumentativa e simbólica.

Dimensão Neurofisiológica
Considera aspectos físicos que envolvem a leitura e possibilitam a percepção, a interpretação e a memorização de signos; concorrem para este fim o funcionamento de estruturas dos aparelhos visual e cerebral.

Dimensão Cognitiva
Destaca-se a abstração do leitor para que palavras e enunciados ganhem significado e progrida a extensões maiores do texto. Há uma competência relacionada à execução dessas tarefas.

Dimensão Afetiva
A leitura tem a peculiaridade de nos envolver emocionalmente, causando diferentes sensações, conforme nos identifiquemos ou não com o que está sendo lido. Este engajamento essencial na leitura é tratado como dimensão afetiva.

Dimensão Argumentativa
O autor destaca a intenção ilocutória que existe em qualquer texto, cabendo ao leitor, interpelado, adotar ou não a visão que lhe é apresentada.

Dimensão Simbólica
Trata do processo onde o autor traz a interação da leitura com o contexto cultural do leitor (e seus modelos do imaginário coletivo), o qual vai sofrer influências, aceitando ou refutando os sentidos apresentados no texto.



 


Articuladores Textuais

 


É importante conhecer os articuladores textuais para a melhor compreensão do processo de construção do sentido na leitura.

Articuladores textuais, ou marcadores discursivos, são expressões linguísticas, provenientes das classes de conjunções, advérbios, preposições, envolvidas na construção do sentido do texto. Eles relacionam segmentos textuais de qualquer extensão (períodos, parágrafos, sequências textuais ou porções maiores do texto) e contribuem para a interpretação do enunciado, com três funções relevantes: cognitiva, por guiarem o interlocutor no percurso interpretativo do texto; enunciativa, por remeterem ao próprio evento da enunciação; argumentativa, por apontarem a orientação argumentativa do texto.

Vamos considerar três tipos de articuladores. Primeiro, os organizadores textuais, que ordenam o texto em uma sucessão de segmentos complementares: em primeiro lugar/em segundo lugar, depois/em seguida/enfim, por um lado/por outro lado.

Um segundo tipo é representado pelos marcadores metadiscursivos, que atribuem um ponto de vista a partes do texto, servindo para o locutor comentar a formulação do enunciado ou a própria enunciação. Eles podem ser subdivididos em: (1) modalizadores, que são usados para o locutor se posicionar diante do que diz: certamente, evidentemente, aparentemente, obrigatoriamente, sem dúvida, (in)felizmente, lamentavelmente, talvez, no meu modo de entender, em resumo, entre muitos outros; (2) articuladores metaformulativos, que são usados quando o locutor faz reflexões sobre a forma como empregou termos ou palavras em seu texto, ou sobre a função de um segmento em relação a um anterior: mais precisamente, sobretudo, isto é, quer dizer, na verdade, quanto a, em relação a, a respeito de, a título de esclarecimento/de comentário/de crítica e outros; (3) articuladores metaenunciativos, que são usados na introdução dos enunciados e evidenciam que o locutor está refletindo sobre sua forma de expressão: digamos(assim), como se diz, podemos dizer, sei lá, grosso modo...

O terceiro tipo de articuladores são os conectores, que encadeiam as diferentes partes do texto, expressando uma relação entre elementos linguísticos ou contextuais. Os mais conhecidos são: porque, pois, uma vez que, já que, devido a, se, logo, então, portanto, de modo que, assim, a fim de; mas, porém, entretanto, embora, apesar de, mesmo que, ainda que; ou seja, ou melhor, enfim e, finalmente!





Tipos de Conhecimento Adquiridos na Leitura

 

Conhecimento tácito: As intuições e os palpites subjetivos fazem parte do conhecimento tácito. Não é um conhecimento palpável, e nem explicável. Esse tipo de conhecimento é profundamente pessoal e por este motivo muito mais difícil de ser compartilhado. Ele é empírico e prático. Seu contexto é do aqui e agora. Aborda as sensações e emoções do indivíduo, como também suas crenças, intuições, habilidades e experiência informais, modelos mentais e percepções. Ou seja, é aquilo que acumulamos dentro de nós, fruto do aprendizado, da educação, da cultura e da experiência de vida de cada um.

Conhecimento explícito: É transmitido por palavras, números, fórmulas, ministrados em aulas e palestras, além de poder ser armazenado e transportado em artigos, manuais, livros, planilhas, banco de dados. Sendo visível e tangível, é possível entendê-lo como o conhecimento codificado em linguagem que apresenta uma estrutura formal e sistêmica que facilita sua transmissão, podendo ser mensurado racionalmente e teoricamente. Conhecimento explícito é aquele compartilhado, que é passado a outros para que esses também desenvolvam suas habilidades e possam gerar mais conhecimento e ser passado a outros e assim por diante formando uma cadeia de desenvolvimento científico, cultural, organizacional, emocional, etc.

No entanto, “conhecimento” na essência, é a soma dos dois tipos, tácito e explícito. E os dois podem ser classificados quanto ao seu uso:

Estratégico: Serve para avaliar informações: econômicas, políticas, sociais, tecnológicas... permitindo decisões, criar cenários, desenvolver estratégias e etc.

Operacional: O conhecimento operacional está diretamente ligado à capacidade de realizar tarefas. Por meio dele é possível coletar, organizar, documentar e gerenciar processos, tudo, absolutamente tudo que se faz em qualquer tarefa, em qualquer função, está inserido num processo.

Emocional: um ar mais informal às relações funcionais em qualquer tipo de organização social. Levando-se em conta aspectos socioeconômicos, culturais, religiosos e políticos que serão atingidos por tais conhecimentos.









Sentido, Significado e Significação

 


Sentido e significado são termos essenciais para dois campos dos estudos linguísticos: a semântica e a pragmática. Na realidade, tanto uma quanto a outra se definem como ciências que estudam a significação, isto é, o ato de significar. Em latim, significar era dar a entender por meio de sinais. As línguas são muito mais complexas do que aquilo que tratamos como sinais (sinais de trânsito, sinais de alerta, acenos). Por esse motivo, o estudo da significação apresenta várias facetas. Observemos, por exemplo, a frase a seguir: Amanhã será um novo dia. De um ponto de vista estrito, o significado da palavra amanhã já dá a entender que se trata necessariamente de um dia diferente do hoje, caso o nosso referencial seja a cronologia. Desse ponto de vista, poderíamos até afirmar que essa frase é redundante, pois amanhã só pode ser um novo dia; e, se é redundante, é desnecessária, na perspectiva lógica. De um ponto de vista mais amplo, podemos compreender a enunciação daquela frase a partir de um outro referencial. Para isso, não vamos ficar restritos ao significado de amanhã; ao contrário, vamos buscar sentidos para a frase como um todo. Assim, se o meu referencial é a carga negativa do dia de hoje, marcado por sofrimento e infelicidade, por exemplo, eu vislumbro o dia de amanhã a partir de um alento, na esperança de que ele seja o oposto do dia de hoje. Sendo assim, afirmar que amanhã será um novo dia significa afirmar a crença em um amanhã feliz.

Podemos extrair dessa breve análise duas visões da significação. A primeira é aquela em que partimos do significado “dicionarizado” de uma palavra ou grupo de palavras para entender a sequência construída com ela ou com o grupo. Na segunda visão, partimos do sentido que um enunciado adquire quando observamos aspectos como: quem disse o enunciado, em que circunstâncias, com que objetivo. A semântica de linha teórica formal estuda a significação, analisando as relações de significado; a pragmática e a semântica da enunciação também estudam a significação, mas buscam compreender os sentidos e suas condições de produção.

(Contextos de variação de sentido de uma palavra, expressão ou frase tendo em vista diferenças sociais e experiências de locutores, diferenças de lugares em que o enunciado é produzido, diferenças de ocasiões nas quais a interlocução se estabelece, e assim por diante).

Autor: Luiz Francisco Dias
Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG / Faculdade de Letras




Pacto Ficcional

 


A palavra “pacto”, em acepções mais usuais do termo, designa um ‘contrato’, um ‘ajuste’ entre as partes envolvidas. Dessa forma, podemos pensar em ‘pacto de leitura’ com um contrato, um ajuste que se faz entre leitor e texto.

O pacto ficcional é um tipo de relação que se estabelece entre o leitor e o texto, é uma das formas do pacto de leitura. O adjetivo “ficcional” vem do substantivo “ficção”, que significa invenção, fantasia, imaginação. Em teoria da literatura, dizemos que um texto é ficcional ou fictício quando há nele uma suspensão de comprovação histórica dos fatos narrados. É preciso ressaltar, entretanto, que os limites entre o ficcional e o histórico não são tão precisos quanto pode parecer à primeira vista. Uma obra pode ser ficcional e basear-se em fatos históricos ou em personagens que realmente existiram.

Portanto, pacto ficcional é o acordo que se estabelece entre leitor e texto, no sentido de não se questionar o estatuto fantasioso de uma obra. Esse pacto se realiza tanto a partir da leitura de obras literárias escritas em prosa, como contos, novelas e romances, dirigidos a adultos, jovens e crianças, como também a partir de obras em linguagens que mesclam o verbal e o visual, como novelas e séries televisivas, filmes, histórias em quadrinhos, tirinhas de jornal, desenhos animados e outras produções de vários gêneros.

Pensemos em um leitor que inicia a leitura de um conto de fadas dos Irmãos Grimm: Era uma vez... A expressão leva o leitor a estabelecer uma relação com o texto que faz com que ele não busque naquele texto referências factuais ou reais. Um leitor ocidental, por exemplo, conhecedor de ‘contos maravilhosos’, não se assusta quando lê que havia, num certo país distante, um burro falante ou um príncipe que havia sido transformado em sapo por uma bruxa.

O pacto ficcional é também chamado de pacto romanesco, quando relacionado à leitura de romances. Quando se trata de livros de memória ou livros biográficos e autobiográficos, fala-se em pacto biográfico e pacto autobiográfico. O pacto biográfico, por exemplo, distingue-se do pacto ficcional na medida em que o leitor, ao ler uma obra de natureza biográfica, a toma como a representação da vida de algumas pessoas que tiveram existência real. O pacto biográfico e o pacto autobiográfico se diferenciam tendo em vista que, no segundo, autor e narrador coincidem, ao passo que, no pacto biográfico, o narrador – um terceiro – apresenta as situações vividas por uma pessoa que realmente existiu.

Há outros tipos de pactos de leitura, conforme as especificidades dos gêneros textuais, e dessa forma poderíamos pensar em pacto científico (para a leitura de trabalhos científicos como artigos, dissertações e teses); pacto factual (para a leitura de notícias, reportagens, relatórios, boletins de ocorrência) ou pacto histórico (para a leitura de textos históricos, como documentos e narrativas historiográficas). Ressalte-se, porém, que uma forma de pacto não precisa necessariamente excluir outra. Assim, podemos ler um romance relativizando o que pode ser mais ou menos calcado numa dada realidade ou ler um texto histórico pensando no quanto o historiador também pode ficcionalizar ao imprimir seu ponto de vista no relato.

Autor: Hércules Tolêdo Corrêa
Instituição: Hércules Tolêdo Corrêa





Intertextualidade

 


Intertextualidade: É a relação “entre textos”, o diálogo entre textos. Toma-se, aqui, texto num sentido amplo do termo: um poema, um romance, uma notícia de jornal, os quadrinhos são textos. Mas também o são uma propaganda, um filme, um quadro, uma música. Filmes que retomam filmes e romances, quadros que dialogam com outros, propagandas que se utilizam do discurso artístico, poemas escritos com versos alheios, romances que se apropriam de formas musicais, visões de mundo que se retomam e se desconstroem: a tudo isso se chama intertextualidade.

Na literatura em geral e na literatura infantil e juvenil, por exemplo, os textos dialogam entre si, ou na forma de citação direta de um filme, de trecho de uma música, de um personagem, ou de forma indireta, deixando ao leitor pistas para relembrar de outros textos que conhece.

A produção de um texto sempre implica a retomada de muitos outros e depende do olhar do leitor para que se criem e recriem significações, já que este último é corresponsável por sua construção. Afinal, o leitor também participa dessa ampla rede dialógica ao trazer para o texto que está lendo sua bagagem de leituras de outros textos, de variadas linguagens e diferentes gêneros.

Tendo em vista uma aprendizagem significativa, a intertextualidade é ferramenta importante, porque revela as vozes e falas que habitam todo texto, facultando a abertura para a apropriação de novos conhecimentos.

É importante registrar que, num sentido mais estrito, a palavra texto remete a uma linguagem verbal. Dentro dessa ordem, a literatura vale-se amplamente do recurso intertextual, consciente ou inconscientemente. Em razão disso, a intertextualidade é um importante fator da leitura literária. Como nos diz Julia Kristeva, “todo texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto.” O texto literário se apresentaria como um feixe de relações intertextuais, de diferenças e tensões em que “se faz acontecer certa realidade”. Veja-se, por exemplo, a origem da palavra poeta: do grego poiésis, criação, fabricação. Poeta é, pois, aquele que cria, aquele que faz.

Autor: Maria Zilda Ferreira Cury
Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG / Faculdade de Letras-FALE




Enunciação Literária

 


Quando alguém "pega a palavra", implícita ou explicitamente dizendo “eu”, coloca imediatamente em cena outro alguém que, como seu interlocutor, o ouve ou irá lê-lo. Essa cena, que se repete recorrentemente em qualquer sociedade, com a utilização de qualquer língua, constitui a enunciação. É pela enunciação que a língua é posta em ação e, por isso mesmo, está só pode ser estudada em seu processo enunciativo: Quem está falando? Para quem se fala? Como se configuram as pessoas que falam e para quem se fala?

Essas perguntas indiciam outros elementos importantes para o entendimento do processo: o tempo e o espaço em que se situam as pessoas que estabelecem o diálogo. O eu, a primeira pessoa do discurso, insere-se em um contexto histórico-social e dirige-se necessariamente a um tu/você, segunda pessoa, com a qual se comunica linguisticamente. A diversidade de situações que enquadram o diálogo leva a uma diversidade de discursos com que lidamos o tempo todo. Quando se atende ao telefone ou se responde a um e-mail, quando se discute com o parceiro amoroso ou com um adversário político, quando se ouve um sermão religioso ou um discurso publicitário, mudam-se as cenas enunciativas e os discursos que as enquadram.

É nesse conjunto de experiências humanas que se institui a enunciação literária, justamente a encenação do próprio jogo da linguagem, a encenação das pessoas que falam. A enunciação, nesse caso, desdobra-se em uma pluralidade de “eus” e “tus”, que se relacionam numa cadeia enunciativa assumidamente representada. Estabelece-se não apenas uma relação entre interlocutores reais − o autor empírico, aquele que escreveu o texto, o leitor que toma o texto para ler −, como também entre interlocutores ficcionais – o narrador, o narratário (aquele a quem o narrador se dirige textualmente), os personagens, além de figuras textuais como o autor e o leitor implícitos, resultantes das estratégias adotadas pelo autor do texto. Tudo isso se desdobrando infinitamente, em cada performance do texto e da leitura. Tal desdobramento pode evidenciar o caráter intertextual, muitas vezes metalinguístico (a linguagem mostrando o seu próprio funcionamento), mas sempre mutável, sempre histórico. Isso porque cada cena enunciativa pode remeter a outras, sejam voltadas para o mundo, sejam voltadas para outros textos literários.

Nesse processo, o domínio discursivo ficcional relaciona-se com outros domínios discursivos, agrupando-se em textos e gêneros diversos. A enunciação ficcional pode, assim, incorporar outros discursos e modalidades de discurso, assimilá-los, mas a proposta literária de interação é, em princípio, diferenciada, já que se vale de uma arquitetura que caracteriza o trabalho criativo de um fazer artístico.

Autor: Ivete Lara Camargos Walty
Instituição: Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais-PUC Minas



Coesão Textual

 


Um conjunto aleatório de palavras e mesmo de frases não constitui um texto. Ou seja, para que algum material linguístico possa ser reconhecido como texto e possa funcionar comunicativamente, são necessários certos critérios de organização desse material. Entre eles, a coesão consiste no encadeamento, na articulação, na sequenciação dos diferentes segmentos do texto, sejam eles palavras, orações, períodos, parágrafos ou blocos de parágrafos.

Por meio de diferentes recursos do léxico e da gramática, nexos, laços, elos vão sendo criados entre todos esses segmentos, de modo a promover – e permitir que seja reconhecida pelo ouvinte/leitor – a necessária continuidade do texto, que, por sua vez, promove a sua unidade semântica e a sua unidade pragmática.

Essa cadeia de nexos, ao longo do texto, se estabelece:

a) pelos recursos da reiteração (repetições, paráfrases, retomadas pronominais, retomadas por palavras sinônimas ou por hiperônimos);

b) pela associação de sentido entre as palavras do texto (palavras semanticamente afins);

c) pelo uso dos diferentes tipos de conectores (preposições, conjunções, advérbios e respectivas locuções).

Assim, tudo no texto está interligado, uma unidade dando acesso a outra, ligando-se a outra, anterior ou subsequente; nada está solto; nenhuma palavra está ali aleatoriamente ou por algum motivo que não seja a expressão dos sentidos e das intenções pretendidos. Dessa forma, a continuidade pretendida pela coesão textual não se justifica por si mesma; é, ao contrário, uma exigência da unidade global do texto, ou seja, uma das condições de sua coerência. Daí por que coesão e coerência – critérios fundamentais de qualquer texto – constituem propriedades textuais intimamente interligadas.

Autor: Irandé Antunes
Instituição: Universidade Federal de Pernambuco-UFPE / Centro de Artes e Comunicação / Departamento de Letras

Coerência Textual

 


Levando-se em conta a complexidade dos textos e hipertextos, na contemporaneidade, a coerência textual implica uma ação de interpretação por parte do sujeito-leitor/ouvinte, capaz de ativar uma rede múltipla de processos sociocognitivos e interacionais para produzir sentidos. A ativação dessa rede de processos pode ser mais bem exemplificada por meio de textos que circulam socialmente, tal como o do cartaz “Seguro morreu de tédio”, afixado em um muro do espaço urbano, cuja compreensão demandará do sujeito o estabelecimento de relações entre o texto do cartaz e o provérbio popular “Seguro morreu de velho”; ou ainda, recorrendo ao discurso midiático, o título de matéria jornalística “Fátima abandona Bonner e vai fazer programa”, veiculado em um jornal carioca, em dezembro de 2011, cuja interpretação exigirá do leitor a capacidade de ativar conhecimentos de várias ordens – não somente linguísticos, mas semântico-sintáticos, pragmáticos, contextuais, socioculturais. A leitura de textos como os citados implica uma ação altamente colaborativa do sujeito, no sentido de mobilizar inferências que serão testadas na busca pela atribuição de coerência aos textos em questão.

A ideia de que a coerência textual (assim como o sentido) não se encontra a priori no texto, mas é construída na situação interlocutiva, considerando aspectos ligados às condições enunciativas, tais como: i) intenções e finalidades dos interlocutores; ii) lugares sociais e institucionais que ocupam e papéis que desempenham os interlocutores; iii) conhecimentos compartilhados pelos interlocutores em relação ao tema e a outros intertextos, ao nível de linguagem, ao gênero textual e em função do evento de interação discursiva.

Autor: Maria Angela Paulino Teixeira Lopes
Instituição: Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais-PUC Minas / Departamento de Letras




Levantamento de Hipóteses na Leitura

 


Durante a leitura, o leitor proficiente levanta hipóteses sobre o texto, segundo suas experiências, vivências e saberes, que são trazidos e mobilizados por ele, na interação com o autor, para extrair e construir significados do texto. Uma hipótese sobre o texto é uma expectativa antecipada, que o leitor forma a respeito do conteúdo do texto, com base no gênero a que este pertence, antes de lê-lo. Durante a leitura, o leitor testa essas hipóteses à medida que vai encontrando novas informações; ele se engaja na atividade e responde ao texto, revisando ou confirmando suas hipóteses iniciais.

A formação de hipóteses de leitura é uma estratégia cognitiva baseada em diversos elementos textuais, explorados antes de começar a ler o conteúdo propriamente dito: a capa do livro, o título, as imagens – fotos, gráficos, tabelas, figuras – que fazem parte do texto, as informações tipográficas e de diagramação, na página ou na tela, como fontes, tamanho das letras, cores. Tudo isso são aspectos em que o leitor se apoia para, junto com os conhecimentos que ele já tem e ativa mentalmente para realizar a atividade de leitura, elaborar hipóteses. Muito importante nesse conjunto de conhecimentos são outros textos que o leitor já leu, do mesmo autor, ou do mesmo gênero, além do conhecimento que ele possui sobre os modos de relacionamento dos diversos sistemas de significação (verbais e não verbais) que se articulam no texto multimodal de hoje.

Autor: Angela B. Kleiman
Instituição: Levantamento de hipóteses de leitura



Informação Implicita no Texto

 

Para que seja possível compreender o que vem a ser informação explícita em um texto, é preciso compreender que a linguagem verbal é polissêmica: um mesmo enunciado pode assumir diferentes sentidos em diferentes contextos e diferentes leitores podem atribuir sentidos distintos a um texto.

Vejamos a interação a seguir:

Aluno: [levantando a mão] Professora, você pode me dizer que horas são?
Professora: [olha no relógio e responde] Podem guardar o material, pessoal!
Aluno:Êba! [rapidamente, guarda o material, seguido por outros colegas]

Podemos observar que o aluno não perguntou se poderia guardar o material. No entanto, pela reação dele era o que queria saber. A professora, interpretando a sua intenção, autorizou a guarda do material, encerrando a aula. Nesse caso, o sentido dos enunciados foi definido por fatores externos ao texto, autorizados pelas características da situação comunicativa e pelo conhecimento mútuo dos interlocutores sobre si mesmos e sobre as regras de convivência colocadas.

Se o texto tivesse sido compreendido no sentido literal – ou seja, se tivessem sido consideradas as suas informações explícitas– a resposta da professora teria que ser outra- como, por exemplo, “São cinco para as 11”. Nesse caso, as autorizações não teriam sido dadas e os alunos continuariam executando as tarefas.

Podemos dizer, então, que o sentido de um texto é constituído tanto por informações que são apresentadas explicitamente na superfície ou linearidade do texto, quanto por outras, que se encontram implícitas. As primeiras são facilmente localizáveis no texto, pois se encontram escritas com todas as letras. Já as segundas são dependentes do repertório prévio dos interlocutores e das características da situação comunicativa.

A capacidade de localizar informações explícitas no texto é fundamental para a constituição da proficiência leitora. Muitos consideram essa capacidade a mais simples de todas. No entanto, é preciso considerar que nenhuma capacidade de leitura é mobilizada no vazio, mas sempre em função da materialidade textual. Assim, se o texto for mais complexo ou extenso, o processo de localização da informação solicitada – e a decorrente atribuição de sentido - poderá ser igualmente mais complexo.

Autor: Kátia Lomba Bräkling
Instituição: Instituto Superior de Educação Vera Cruz (São Paulo) / Pós Graduação Formação de professores em Alfabetização e Ensino de Língua Portuguesa.





Dado, Informação e Conhecimento

 

Dado não é conhecimento; informação é conhecimento e conhecimento não é dado! Entendeu?!

Dado: É o registro de um evento. Pensando no conhecimento de forma hierárquica, o dado é o menor e mais simples elemento dessa hierarquia. Ele é uma unidade indivisível, objetiva e abundante. Por este motivo, o dado é o elemento mais fácil de ser manipulado e transportado, seja em um meio de transporte concreto (de um lugar para outro), seja de uma forma abstrata (de um sistema para outro ou de uma pessoa para outra).

Informação: É um conjunto de dados dentro de um contexto. O contexto é fundamental, pois desempenha o papel de diferenciar um mesmo dado em situações distintas, pois um conjunto de dados não pode passar de um acúmulo de coisas sem significado. Também é preciso a implicação de pelo menos um sujeito para que o conjunto de dados seja coordenado de forma significativa. Além do conjunto de dados, é importante para a definição do contexto uma determinada carga subjetiva. Ou seja, informação é um conjunto de dados, com determinado significado para o sistema. Apesar da informação, conter uma determinada carga subjetiva, a mesma não pode ser algo decifrável apenas por um sujeito específico. Ela deve ser codificada de diversas maneiras, ou seja, ela deve ser tangível para um grupo de pessoas, podendo ser acumulada, processada e compartilhada. O compartilhamento é de grande importância no que se refere à informação e o conhecimento.

Conhecimento: é a informação que, devidamente tratada muda o comportamento do sistema. O conhecimento é o resultado de um processamento complexo e subjetivo da informação, pois quando a informação é absorvida por um sujeito, ela interage com processos mentais lógicos e não lógicos, experiências anteriores, insights, valores, crenças, compromissos e vários outros elementos que fazem parte da mente do sujeito, pois consciente ou não ele usa seu conteúdo psíquico para trabalhar a informação e com base nisso tomar uma decisão de acordo com o contexto no qual ele está envolvido. Neste sentido é possível considerar que o conhecimento se configura nessa tomada de decisão, pois ele está ligado à ação uma vez que ele existe e serve para fazer algo, por isso pode-se considera que o conhecimento é um poderoso agente transformador.






Completando o Texto

 


Não! Nada ver com aqueles exercícios chatos solicitados na escola!

Tem a ver a com a teoria de Jouve sobre leitura. Segundo ele, o texto é complementado pelo leitor a partir das seguintes esferas:

1. Verossimilhança: capacidade do leitor em ler as descrições físicas de um personagem, por exemplo, e a partir delas compor a aparência de tal personagem;

2. Sequências das ações: a passagem do tempo ou a sequência dos fatos numa história são andamentos elencados pelo leitor;

3. Linguagem simbólica: elementos metafóricos ou metonímicos que representam outras coisas (exemplo: a profissão de um personagem , título de um filme ou comportamento de um determinado animal);

4. Significação geral: a escolha de oposições dentro de uma obra podem indicar o chamado “projeto literário” do autor - “o texto, em geral, contenta-se em dar indícios; é ao leitor que cabe construir o sentido global da obra”.



Como Entender um Livro

 


"A minha leitura de...", "a sua leitura de...", "a leitura que Fulano fez de...", não passa de metáfora! Pois, um texto é sempre uma mesma leitura. Ninguém descobre no texto o que nele não existe. O que pode ocorrer é uma leitura específica, centrada num foco ou aspecto específico, que possivelmente passou despercebido por outros leitores ou que venha mostrar com maior nitidez.

Entender um texto é ser capaz de "traduzi-lo", isto é, torná-lo mais claro, mais explícito do que ele é originalmente, de modo que nos tornemos aptos a explicá-lo, a torná-lo compreensível aos outros. O entendido, portanto, é atingir o sentido do texto ou aquilo que ele objetivamente diz. No entanto, nem sempre entendemos um texto, o que pode ou não estar relacionado ao seu nível de dificuldade. De qualquer modo, o não entendimento pode ser superado. Quando não se entende um texto - ou uma passagem dele - há sempre um motivo para isso. No caso de ter havido falta de atenção, a releitura é a maneira certa de resolver o problema. Caso contrário, é preciso nos questionarmos e saber o que ou por que não entendemos. Muitos leitores não entendem certas passagens de um texto porque não possuem os pré-requisitos necessários para entendê-lo. Alguns autores citam ou contextuam a obra de outros autores e, se você desconhecer essas referências, dificilmente vai captar o sentido daquilo que está lendo. Assim, é preciso preencher os pré-requisitos, antes de ir adiante.

Deixe suas crenças de lado, pois o não entendimento pode ser proveniente de dessas crenças que se transformam num empecilho à compreensão das ideias alheias. Certos estados emocionais permitem identificar quando isso ocorre, é o momento em que devemos separar claramente as nossas crenças das ideias do autor e não discutir com elas. Num primeiro momento não deixe que sua opinião interfira e distorça o entendimento.

Uma compreensão correta não contradiz o sentido literal do texto, procure a unidade que o texto deve ter, sem deixar qualquer parte solta ou nenhuma passagem de lado. Perceba as conexões que existem entre as partes, é através delas que você consegue antecipar o desenvolvimento da argumentação, prevendo o que virá a seguir. Em princípio, considere como erro de compreensão todas as contradições encontradas no texto. Pelo menos se não surgirem provas ou motivações explícitas do contrário, isto é, possivelmente o texto tenha realmente contradições!

Procure o significado dos termos que desconhece; identifique os pronomes presentes nas frases e saiba explicitar os nomes que eles substituem; identifique os termos técnicos, substitua por suas próprias definições. Lembre-se que algumas palavras de uso corriqueiro podem ter um sentido bem mais específico ou mais elaborado num texto.

Saiba estabelecer uma hierarquia, ou seja, uma ordem entre o que é mais importante e o que é menos importante, o que é essencial e o que é acessório, o que é primordial o que é secundário no texto. Descartando o supérfluo, você estará mais próximo das ideias básicas. A partir desse momento, você já está apto para concordar ou discordar com o autor.

Ou seja, você alcançou o entendimento e estará rumo à interpretação do texto, que se completará tecendo suas próprias reflexões sobre o texto lido, ou seja, estabelecendo um diálogo com ele!



Atenção! Saliência Textual

 


No dicionário, saliência quer dizer “proeminência”, ou aquilo que se destaca, sobressai. “Textual” é um adjetivo usado para referir o que é relativo ao texto. Assim, o significado da expressão saliência textual pode ser entendido como “aquilo que se destaca ou sobressai no texto”.

Os textos são, em geral, marcados por elementos que se destacam, que se sobressaem, como título, subtítulos, aspas, negrito, itálico, destaques gráficos, formatação especial de letra, espaços em branco, notas de rodapé, quadros, tabelas. Esses elementos possibilitam melhor legibilidade e são colocados intencionalmente por quem escreve. O bom leitor utiliza essas informações numa leitura de inspeção, isto é, quando passa os olhos pelo texto buscando atingir seus objetivos. Atento aos elementos destacados, ele seleciona aqueles que mais lhe interessam, de acordo com as perguntas que motivam sua leitura. Essa ação ajuda o leitor a criar expectativas sobre o assunto, antecipar ideias, identificar conceitos importantes, permitindo, ainda, que suas hipóteses interpretativas o levem a uma leitura mais fluente.

As formas de tornar ‘salientes’ informações importantes variam dependendo do suporte, portador ou veículo em que o texto se encontra, dos gêneros, da circulação social dos textos, das intenções de quem os produz, dos efeitos de sentido desejados. Por exemplo, numa notícia, as letras do título são maiores do que as do corpo do texto, há legendas sob as fotos e há itálicos marcando sentidos especiais. Já numa propaganda aparecem em destaque, com letras maiores ou cores diferentes, o nome do produto, o preço, o nome da loja, o endereço. No anúncio de um show, ficam ‘salientes’ a data, o horário e o local.

A exploração das saliências textuais pode ser considerada uma estratégia para a construção de sentidos na leitura.

Autor: Delaine Cafiero Bicalho
Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG/Faculdade de Letras



Antecipação na Leitura

 


Muitas operações acontecem na mente do leitor antes da leitura. Quando escolhe o texto para ler, o leitor já antecipa muita informação que nele espera encontrar, ou levanta questões que espera serem resolvidas pelo texto. O objetivo de leitura vai levar o leitor a levantar expectativas sobre o conteúdo do texto.

Antecipar ou predizer o que vai ser lido costuma acontecer em muitos momentos da leitura e costuma tornar essa leitura mais eficiente. Durante o reconhecimento de palavras, por exemplo, muitas informações são ativadas na mente do leitor e elas contribuem para o reconhecimento de palavras e expressões, sem que ele tenha de processar letra por letra. A estrutura sintática e a rede semântica que estão sendo construídas ao longo da leitura oferecem muitos dados para o reconhecimento da palavra e para a construção de sentidos.

Como a língua segue padrões e obedece a muitas regras, é possível ao leitor fazer previsões de vários tipos na leitura, previsões sobre a estrutura fonológica da palavra, sobre aspectos morfológicos, sobre a estrutura sintática da frase ou de partes dela e sobre vários aspectos semânticos envolvidos na construção do sentido do texto.

A antecipação é uma operação muito importante, uma vez que ajuda a evitar a sobrecarga de informações a serem processadas durante a leitura. Prever, ou seja, ativar previamente informações que podem ser úteis, é uma estratégia adotada pelo cérebro para otimizar seus recursos, evitando sobrecarregar a memória e os mecanismos de processamento de informação.

Uma forma conhecida de antecipação é chamada de efeito “priming”. Este acontece quando um sentido construído anteriormente dentro de um espaço de tempo relativamente curto interfere na construção de um sentido construído posteriormente. Um exemplo seria o que acontece quando lemos sobre dinheiro no texto e depois lemos a palavra “banco”. O sentido para a palavra “banco” vai ser influenciado pela palavra “dinheiro”, fazendo com que o sentido mais ativo dessa palavra seja “instituição financeira” e não “lugar para se assentar”.

As antecipações precisam ser confirmadas pelo texto, mas pode acontecer de o leitor confiar muito no sentido que antecipou e se esquecer de conferir se o texto confirma suas previsões, o que pode acarretar um erro de leitura. Sendo assim, é necessário monitorar a construção de sentido, a fim de evitar leituras não autorizadas de determinados textos.

Como a antecipação é uma operação importante para a leitura, a ativação de conhecimentos prévios (pesquisar sobre o assunto antes da leitura) e a estrutura do texto podem facilitar a compreensão. Assim, o levantamento de informações e/ou hipóteses antes da leitura constitui uma estratégia de compreensão.

Autor: Carla Viana Coscarelli
Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG / Faculdade de Letras




Modelos de Interpretação

Em “Modelos de interpretação”, capítulo 9, Marcelo Dascal afirma que o homem é um caçador de significados, propondo a complementaridade dos modelos de interpretação que explicita em sua obra: o criptográfico, o hermenêutico, o pragmático, o superpragmático e o causal de estrutura profunda.

Segundo ele, no modelo criptográfico, o significado está ali, no texto, subjacente, pronto a ser desentranhado, dependendo de inferências. O centro do processo interpretativo seria de ordem semântica, cujos sinais e regras determinariam o significado.


No modelo hermenêutico, o significado é uma construção a ser engendrada pelo leitor, através do processo interpretativo, a partir de sua bagagem cultural ou background desse leitor-intérprete privilegiado.

Na visão de Dascal (2006), esses dois modelos de interpretação negligenciam o papel do produtor do signo, ignorando-o.

O modelo pragmático, pelo contrário, considera que o significado é produzido por um agente, cuja ação comunicativa é motivada por uma intenção. Esse é o modelo que Dascal (2006) propõe, destacando, para explicitar seu ponto de vista, que a ação comunicativa, qualquer que seja ela, só tem sucesso quando o leitor/ouvinte reconhece a intenção subjacente ao que é ouvido/lido. Em sua análise, Dascal (2006) comenta que o modelo pragmático, assim como o criptográfico, preconizam a suposição de que existem significados objetivos associados aos signos presentes no texto lido, tendo em vista a evolução das regras semânticas durante o desenvolvimento da linguagem. A diferença entre ambos os modelos está na forma como avaliam o papel do significado literal. Ao contrário do modelo pragmático, o criptográfico leva em consideração a decodificação semântica. Já o modelo pragmático propõe que a interpretação jamais consiste na mera decodificação semântica, pois é inegável a influência do contexto na interpretação.

Quanto ao modelo superpragmático, o autor comenta que seus proponentes acreditam que o intérprete consegue captar o significado do falante diretamente com base na informação contextual, sem a necessidade de considerar o significado semântico da elocução do falante (DASCAL, 2006, p. 221), o que acaba por eliminar o texto enquanto objeto cultural. É como se ele pudesse ser transparente, dizendo apenas aquilo que seu leitor quer que diga.
 
O modelo pragmático, ao unir o significado semântico com as intenções do autor/faltante, traz à tona outras variáveis ocultas no ato comunicativo, como as crenças, desejos e temores do falante. Assim, o leitor/ouvinte se envolve em uma atividade bastante complexa para a interpretação. A partir disso, alguns teóricos procuraram simplificar o processo, propondo uma interpretação radical, como a do modelo superpragmático, em que o intérprete começa do zero para tentar descobrir os valores das variáveis textuais, o que é muito questionável.


Na perspectiva de Dascal (2006, p. 227), interpretar um ato comunicativo significa tentar determinar o motivo do agente ou o seu objetivo comunicativo, segundo a escolha de meios efetuada em seu ato. Para o autor, o comportamento humano de forma geral e o comportamento comunicativo de forma particular estão enraizados em causas profundas, cujos agentes, em grande parte, não têm consciência. Assim, uma interpretação verdadeira deve descobrir essas causas, pois o significado é visto como produto de uma interação de forças subjacentes que determinam a atividade humana (DASCAL, 2006, p. 230). Nos modelos causais de estrutura profunda, as intenções e as razões, da mesma forma que os significados, são vistos como entidades derivadas.

Por fim, o autor propõe a união de todos esses modelos, considerando-os como complementares, embora tal complementaridade seja de difícil efetivação. Ele ressalta, ainda, que o modelo pragmático visa a preservar o homem, enquanto agente/sujeito responsável, livre e racional, que cria e é responsável por suas intenções.



Paradigma - Narratologia


No decorrer da tradição literária, alguns teóricos identificaram certos padrões recorrentes nas narrativas, provavelmente, tais padrões se reproduzem inconscientemente, mas, desde o século XX, o estudo se fortaleceu, numa linha conhecida como Narratologia.

Falar de paradigmas narrativos (ou sintagmas narrativos) pode ser visto como um insulto para alguns escritores. Esses consideram que a originalidade deve estar presente em todas as etapas do processo de criação e estruturação da história, associando o uso de paradigmas com falta de criatividade ou a uma receita de bolo em que só se muda a medida dos ingredientes. Para outros, parece que não existe outra forma de se contar uma história a não ser seguindo uma estrutura já definida e estabelecida, enxergando os paradigmas como dogmas que obrigatoriamente devem permear a estrutura narrativa.

Vale lembrar que tais paradigmas não são uma tábua de lei para os escritores, a maioria sequer os conhece, apesar de segui-los.

Todo paradigma narrativo parte de uma pesquisa, ou seja, eles só são percebidos e nomeados através de uma análise de diversas histórias bem sucedidas anteriormente. São utilizados por autores e teóricos para auxiliar na compreensão de como funciona ou pode funcionar uma estrutura dramática.

Quando Joseph Campbell introduziu o conceito do Monomito em 1949 (ou “Jornada do Herói”) no livro “O Herói de mil faces”, seu objetivo não era propiciar uma lista de regras necessárias para se contar uma boa história, mas sim catalogar padrões narrativos presentes em mitos de diversas culturas através de milhares de anos. Cristopher Vogler adaptou o monomito para o cinema quando era consultor da Disney e logo o memorando de 7 páginas se popularizou e extrapolou os Estúdios Disney, até virar livro: “A Jornada do Escritor”.

Muitos acreditam que a Jornada do Herói é o único ou maior paradigma narrativo contemporâneo. No entanto em 1949, Campbell já trazia  similaridades com os sintagmas e funções propostas por Vladimir Propp na análise dos contos de fadas russos em 1928. O dramaturgo Gustav Freytag no século 19 já propunha uma estrutura dramática “A Pirâmide de Freytag”, utilizada amplamente nos tempos atuais em peças de teatro e filmes. Syd Field bebeu na fonte de Aristóteles e desenvolveu “A estrutura de três atos” estipulando os plot points em diversos filmes de sucesso do cinema americano. Robert Mckee em Story fala em “A Busca” e “Plot Central”, estruturas que descrevem o fluxo do conflito da história. “Beat by Beat” de Blake Snider é tão formulaico com seus beats calculados quase matematicamente que ganhou legiões de seguidores e detratores pelo mundo. “A Espinha da História” de Linda Sieger reflete muito bem sobre as obras multiplot e estuda a presença de tramas concretas e abstratas. Michael Hauge também propõe uma estrutura pensada para a jornada externa e interna do protagonista , estrutura que se tornou a mais utilizada nos filmes de animação americana. “ A Promessa da Virgem” de Kim Hudson busca ser um contraponto a Jornada do Herói, propiciando uma jornada interna, muito comum em filmes independentes e em tramas mais minimalistas. 

E esses são só alguns casos para exemplificar a imensidão de possibilidades de paradigmas. E de dentro de cada paradigma existem infinitas possibilidades além dos clichês.

O uso de paradigmas não é problema, nem a solução de um livro. A narrativa ruim que utiliza uma estrutura paradigmática não vai deixar de ser ruim, assim como uma boa narrativa não vai deixar de ser boa por estar enquadrada dentro de um paradigma. O que importa de verdade é a maneira como o escritor  utiliza suas habilidades, referências e conhecimentos para criar a estrutura de sua história. Seja utilizando um paradigma ou não.

Antes de demonizar ou glorificar paradigmas, sugerimos que você considere que cada história tem suas peculiaridades e dialogará de forma diversa com diferentes paradigmas. Uma coisa é certa,  conhecer alguns desses paradigmas podem auxiliar e enriquecer sua leitura.

Autores: Marcos Hinke e Jaqueline M. Souza  02/08/2016

Paradigma das Peças Bem Feitas


Os verdadeiros exemplos deste tipo de drama apresenta sete características estruturais:

1 - Um enredo baseado num segredo conhecido pelo leitor, mas ocultado por certos personagens (que desde há muito estão envolvidos numa luta de astúcia), até sua revelação (ou até a conseqüência direta dele) numa cena apogística que serve para desmascarar um personagem fraudulento, e restaurar a boa fortuna ao herói sofredor, com o qual o leitor foi induzido a simpatizar;

2 - Um padrão de crescente e intensa ação e suspense, preparada pela exposição (este padrão é auxiliado por planejadas entradas e saídas, cartas, e outras técnicas);

3 - Uma série de altos e baixos na fortuna do herói, causados como conseqüência de seu conflito com um adversário;

4 - O contragolpe da peripécia e duma scène à faire, marcando, respectivamente, o ponto mais baixo e o mais alto nas aventuras do herói, que são trazidas pela revelação dos segredos pelo oponente;

5 - Uma falta de compreensão central, ou qüiproquó, tornada óbvia ao leitor, mas oculta aos personagens;

6 - Um desfecho lógico e verossímil;
  
7 - A reprodução do padrão de ação geral em atos individuais.



Paradigma Aristotélico


1 - O enredo deve ser um "todo", com começo, meio e fim. O começo, chamado por críticos modernos o momento estimulante, deve iniciar a cadeia de causa-e-efeito, mas não dependente de nada fora do escopo da narrativa (isto é, suas causas são minimizadas, mas os efeitos ressaltados). O meio, ou clímax, deve ser causado pelos incidentes anteriores e ele mesmo causar os incidentes que se seguem (isto é, suas causas e efeitos são ressaltados). O final, ou resolução, deve ser causado pelos eventos precedentes, mas não conduzir a outro incidentes fora do escopo da narrativa (isto é, causas são ressaltadas, mas efeitos minimizados); o final deve, assim, solucionar o problema criado no momento estimulante. Aristóteles chama a cadeia de causa-e-efeito conduzindo do momento estimulante até o clímax da "trama" (desis), na terminologia moderna a complicação. Ela conduz assim a uma outra cadeia de causa-e-efeito mais rápida do clímax até a resolução do "desenlace" (lusis), na terminologia moderna a conclusão.

2- O enredo deve ser "completo", tendo "unidade de ação". Por isso Aristóteles quer dizer que o enredo deve ser estruturalmente auto-suficiente, com os incidentes ligados por necessidade interna, cada ação conduzindo inevitavelmente à próxima sem intervenção externa, sem deus ex machina. De acordo com Aristóteles, o pior tipo de enredo é o "'episódico', no qual episódios e atos sucedem uns aos outros sem seqüência provável ou necessário", a única coisa que une os eventos em tais enredos é o fato de terem acontecido à mesma pessoa. O autor deve excluir coincidência de seus enredos; se alguma coincidência é requerida, ela deve "ter um ar de desígnio", isto é, parecer ter uma conexão destinadora com os eventos da narrativa. Similarmente, o poeta deve excluir o irracional, ou, pelo menos, mantê-lo "fora do escopo da tragédia", isto é, reportado, ao invés de dramatizado. O poeta não deve mudar os mitos que são a base de seus enredos, ele "deve mostrar inventividade própria e habilidosamente lidar com o material tradicional" para criar unidade de ação em seu enredo.

3. O enredo deve ter "uma certa magnitude", tanto quantitativamente (duração, complexidade) quanto qualitativamente ("seriedade" e significância universal). Aristóteles argumenta que enredos não devem ser curtos demais; quanto mais incidentes e temas o dramaturgo conseguir juntar numa unidade orgânica, maior o valor artístico e a riqueza da peça. Também quanto mais universal e significante a narrativa, quanto mais o autor captar e suspender as emoções do leitor, melhor será a narrativa.

4. O enredo pode ser simples ou complexo, apesar de complexo ser melhor. Enredos simples tem apenas uma "mudança da Fortuna" (catástrofe). Enredos complexos têm tanto "mudança da intenção" (peripeteia) e "reconhecimento" (anagnorisis) conectado com a catástrofe. Tanto a peripeteia quanto a anagnorisis surgem de surpresa. Aristóteles explica que a peripeteia ocorre quando o personagem produz um efeito oposto àquele que ele pretendia produzir, enquanto a anagnorisis "é uma mudança da ignorância ao conhecimento, produzindo amor ou ódio entre pessoas destinadas à boa ou má fortuna". Ele argumenta que os melhores enredos combinam estes dois como parte de sua cadeira de causa-e-efeito (isto é, a peripeteia conduz diretamente a anagnorisis); está virada cria a catástrofe, conduzindo à "cena de sofrimento" final.